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O que terapia tem a ver com escrita literária? Para mim, tudo!
Meu empenho em seguir adiante nas sessões de terapia, de modo intermitente, desde o início da fase adulta — aos trinta anos —, até os tempos atuais — aos oitenta —, proporcionou-me o ingresso, na fase octogenária da existência, não como matusalém, mas como “experiente”; provido de autonomia plena, bem-estar físico e memória privilegiada.
No início de 2017, com setenta e quatro anos, iniciei um novo ciclo de psicoterapia, que proporcionou frutos inesperados. As sessões persistentes, por dezoito meses ininterruptos, levaram-me a recordar fatos longínquos com tamanha perspicuidade, que fui tentado a registrá-los por escrito. Deste registro seguiu-se um destemido inventário que, por sua vez, resultou em “Gastura”, o meu primeiro livro publicado.
Desde então, a terapia tornou-se, para mim, uma manifestação literária oral, onde o leitor — no caso o ouvinte — não é desagregado. Ele revela-se espontaneamente, em sincronia com o que está sendo dito, através da voz do silêncio, da expressão facial sensível, do olhar perscrutador, dos gestos contidos e da postura de seu corpo. Quando escrevi “Phenix”, o meu segundo livro, eu já identificava essas revelações sutis, com mais serenidade.
A escrita é uma faca de dois gumes “semelhantes”, em relação à terapia. Se, por um lado, experimentos emocionais — tais como a sensação persistente de fracasso e os traumas do passado trazidos à tona —, são levados para dentro do ambiente terapêutico; em contrapartida, eles são intelectualmente restituídos — refinados, conceituados e ressignificados — ao ambiente de criação literária.
Atualmente, estou me dedicando à escrita de meu terceiro livro, com o título provisório de “Spoiler”, de uma forma bem mais leve e solta, como se fosse um prolongamento das sessões terapêuticas, tal o alívio que eu sinto ao escrever. A síntese desta história, está plenamente enraizada na minha memória e, desta forma, me sinto bem confortável em não a escrever pelo começo, mas de forma aleatória, a partir dos pontos mais relevantes.
A prática diária da escrita beneficiou e continua beneficiando minha saúde mental, tal é a quantidade de letras, símbolos, palavras, regras e conceitos que circulam pela memória octogenária, cada vez mais rápido, “lubrificando” os neurônios ativados durante a escrevedura, afastando-me da inércia e da prostração.
É realmente lamentável o “tabu” que se criou a respeito da inutilidade de terapia para idosos. Tal conceito desestimulou o atendimento de tantas pessoas como eu, sem motivo aparente. Haja vista que, se eu não tivesse iniciado, há seis anos, a última terapia de regressão, eu não teria escrito meu primeiro livro; nem o segundo. E nem iniciado o terceiro.
Na concepção dos romances ficcionais inspirei-me em vários autores, como por exemplo, a espanhola Rosa Montero ou Ernest Hemingway. Entretanto, para a escrita autobiográfica e histórica de “Gastura”, foi fundamental, levar em consideração, a extensa literatura de Alcoólicos Anônimos. Foi nas salas do AA, que detive a compulsão pelo álcool e aprendi a “Viver Sóbrio”, um dia de cada vez, até o presente momento. Trinta anos depois.
*Fernando Machado é escritor e engenheiro civil aposentado, paulistano, formado pela Universidade Mackenzie em 1968. Começou a se dedicar à literatura pouco antes da pandemia, já com 75 anos. Quando começou uma terapia de regressão, percebeu-se dono de uma memória viva, rica em detalhes dos fatos, de seus contextos e das transformações que ocorreram ao longo do tempo na sociedade a qual estava inserido. O que resultou em suas obras: “Gastura” e “Phenix”. Fernando também foi fundador de um Espaço Multicultural que ganhou vida após sua aposentadoria. Pouco depois, se mudou para Florianópolis – quando começou a se dedicar à escrita.
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