Bebês reborn: a fantasia da maternidade e o reflexo de dores emocionais
- Redação
- há 3 dias
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Bonecas hiper-realistas e que parecem bebês dormindo têm chamado atenção — e, por vezes, despertado estranhamento — em redes sociais, vitrines especializadas e grupos dedicados ao tema. No entanto, a febre dos chamados bebês Reborn não é uma novidade, inclusive estourou na década de 1990 e agora surge novamente, porém com uma nova roupagem: mulheres adultas, solteiras ou não, estão criando laços profundos afetivos, como se os bonecos fossem seus filhos e transbordando o instinto maternal.
Embora, à primeira vista, a prática possa parecer apenas um hobby exótico ou uma excentricidade, o fenômeno carrega dimensões psíquicas profundas e que merecem atenção. “A relação com um bebê reborn é, muitas vezes, uma forma simbólica de cuidar de si mesma — de partes frágeis, feridas ou não elaboradas da própria história emocional”, afirma a psicanalista Fabiana Guntovitch, especialista em Comportamento.
Segundo a especialista, a prática pode estar relacionada a questões como luto perinatal, infertilidade, solidão afetiva ou mesmo uma forma inconsciente de evitar os desafios reais da maternidade. “O reborn representa uma maternidade idealizada: um filho que não chora, não exige limites, não adoece, não cresce. É uma figura de amor total, mas sem os riscos, frustrações e renúncias da maternidade real”, explica ela.
Segundo a também psicanalista Andrea Ladislau, pelo prisma emocional, é possível entender essa questão, como uma espécie de tentativa de cura, camuflagem de feridas e traumas de infância. “Claro que, não podemos generalizar as razões, afinal somos seres individualizados e a resposta tem a ver com a construção da trajetória de vida de cada um. É preciso entender o histórico das experiências anteriores, pois uma infertilidade, uma desilusão amorosa profunda, a perda de um filho, uma solidão crônica e intensa, ou mesmo a cicatriz de uma maternidade interrompida ou frustrada, pode ser o ponto de partida para a compreensão dessa conexão”, explica Andrea.
Andrea explica que a representatividade simbólica do afeto e amor maternal, transferida para o boneco, permite a essa “mãe”, expressar o seu mais puro sentimento: amor, afeto, cuidado e a oferta de um lugar seguro, acolhedor, onde ela não correrá o risco de errar nas práticas maternais e poderá, além de tudo, se eximir das frustrações e responsabilidades que a maternidade verdadeira impõe.“O vínculo afetivo é construído à partir das construções mentais, mal elaboradas, que são reforçadas por uma ilusão patológica, uma armadilha da mente para cobrir um vazio existente” explica.
Reparo de experiências de perda ou abandono vivenciados pelas mulheres
Sob a ótica da psicanálise, o uso de bebês reborn pode ativar mecanismos como projeção, identificação e tentativas inconscientes de reparar experiências de perda ou abandono. Para algumas pessoas, a boneca se torna um espelho de seus próprios desejos, medos ou traumas não simbolizados. “O que um bebê reborn nos mostra é que o desejo de amar e de ser amado encontra caminhos complexos e, por vezes, silenciosos. Cabe a nós reconhecer que, mesmo nos vínculos com o inanimado, há algo pulsando: um pedido de acolhimento”, entrega Fabiana.
Já Andrea ressalta que, não é regra que todas as mulheres que se tornam “mães de um Bebê Reborn” estão vivendo um sofrimento psíquico. Muitas, são colecionadoras lidam com a situação sem qualquer dor ou sentimento distorcido.“A classificação de um sofrimento psíquico se dá, à partir da intensidade desse apego emocional e do nível de consciência dessa mulher para compreender que a troca afetiva com um “objeto” inanimado, não representa uma maternidade real e muito menos pode ressignificar dores invisíveis”, explica.
A especialista explica que julgar ou rotular a “Maternidade Reborn”, como sendo uma mentira ou uma farsa, é uma clara representação da ausência de empatia e respeito com sentimentos alheios. “Não podemos apontar dedos, pois não sabemos o que dói no outro. Acolher e ajudar, principalmente, em casos de sofrimento evidente, reflete reciprocidade e abre espaço para uma escuta ativa, acolhedora, presente, bem como para a compreensão mútua”, diz.
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